quarta-feira, 26 de maio de 2010

Pixinguinha por Altamiro Carrilho

Pesquisando acerca da carreira artistica do Zé da Velha, achei esta entrevista do Altamiro Carrilho opinando e questionando a unanimidade de Pixinguinha, suas composições fáceis e indoceis, que vale registrar.

Altamiro Carrilho fala sobre Pixinguinha e o choro

Com 60 anos de carreira, o flautista Altamiro Carrilho teve o privilégio de conviver com os músicos que ajudaram a definir o chorinho como um estilo genuinamente brasileiro. Pixinguinha, que ele conheceu pessoalmente na década de 40, foi uma dessas importantes figuras do cenário típico da Música Popular Brasileira que influenciou o músico.
Em entrevista exclusiva ao professor Raul Costa d'Ávila, Carrilho fala como conheceu Pixinguinha e demonstra todo o seu amor pelo choro, que segundo ele, apesar dos altos e baixos, nunca vai morrer.
Raul - Na época em que iniciou sua carreira no Rio de Janeiro, o choro vivia uma fase áurea. Como foi seu primeiro contato com Pixinguinha, que já era um artista consagrado?

Altamiro Carrilho - O contato com ele foi casual, muito feliz e bonito. Convidado por um amigo comum, o Donga, assisti a uma célebre festa de aniversário de Pixinguinha, na década de 40, entre os anos de 1946 e 1948, não lembro direito. Os músicos que iam para lá eram da melhor categoria. Bandoneonistas, flautistas, cantores, gente de rádio, todo mundo. Era uma grande festa, porque ele morava em uma grande casa, com quintal. Então numa dessas eu fui como convidado do Donga. Cheguei lá e encontrei o Nelson Miranda, o Luperce Miranda, uma turma enorme e qual foi a minha surpresa: um dos meus ídolos estava lá. Deles todos o que eu mais admirava era Benedito Lacerda, sem menosprezar ninguém. Ele foi um criador de um estilo novo, uma maneira nova de tocar, tinha um swing leve, alegre, sutil, com balanço rítmico impressionante, isso fazia a diferença. O próprio Pixinguinha sabia disso, tanto é que passou a tocar saxofone, nem pegou mais na flauta, e formou aquela dupla famosa com ele. Agora, Pixinguinha é aquele monstro sagrado que compôs uma variedade de choros fantásticos. Acho que nenhum autor fez tantos estilos dentro de um gênero de música, tanta coisa diferente, do Carinhoso a Gargalhada, ele fez tudo que tinha direito.
Raul - O que mais te impressionava quando ouvias ele tocar flauta?
AC - Eu nunca ouvi Pixinguinha tocar. Ele parou em 1943 e gravou muito pouco. Era muito difícil ouvi-lo até no rádio. Quando a gente conseguia ouvir uma gravação no rádio - uma coisa tão difícil de acontecer - a gente até pedia para ouvir de novo.
Raul - É unânime a opinião de que Pixinguinha era uma homem generoso, humilde e muito simpático. Você que conviveu com ele, pode comentar, um pouco, sobre o lado humano do músico?
AC - Foi um homem muito bom, justo. Aquele cara que é justo e muito injustiçado, exatamente por ser assim. Ele também deveria receber compreensão geral, apoio geral, merecia receber homenagens em vida. Ao contrário do que muita gente pensa, ele não era bobo, ingênuo, ele era muito inteligente. O Almirante (apresentador e produtor de programas de rádio na Tupi e diretor do Bando dos Tangarás), dizia que Pixinguinha era uma águia. No sentido de ver a coisa de longe. Ele pressentia, tinha uma premonição, sabia as coisas que iriam acontecer e procurava sair, ficar de lado e não interferir. Dentro daquela simplicidade dele ele era muito perspicaz, muito inteligente.
Raul - Na história da MPB, mais particularmente do choro, pode-se dizer que Pixinguinha foi um divisor de águas, isto é o Choro antes e depois dele. Você concorda com esse pensamento? O que mais lhe chama a atenção na estética musical concebida por Pixinguinha?
AC - Não concordo totalmente. Ele deu uma contribuição valiosíssima. Porque nós tivemos compositores muito bons de choro. Tivemos Henrique Alves de Mesquita, Nazareth, Chiquinha Gonzaga. Acho que ele foi um dos melhores compositores de choro. Eu, particularmente, não gosto de dizer fulano é o rei, o maior do mundo. Cada um no seu estilo é bom. Eu estou falando por mim o que eu sinto. Na obra de Pixinguinha você procura, como eu disse há pouco, de Carinhoso a Gargalhada. Carinhoso como facilidade e Gargalhada como dificuldade. Denota que há um leque, uma abertura de estilos. Um choro tem uma característica, um segundo tem outra e assim por diante. Essa facilidade de trabalhar todos esses campos simultaneamente, tipo Um a zero, mostrando toda a versatilidade, toda a técnica. Por exemplo, ele compôs uma música como Carinhoso com poucas notinhas, harmonia andando e a melodia permanecendo uma pequena repercussão de frases e fez uma coisa monumental. Daí ele faz o Ingênuo, que já é um pouco mais malicioso, tem umas modulações imprevisíveis. Compôs Os oito batutas, com aqueles intervalos difíceis para flauta, um Si agudíssimo. Quer dizer que não é qualquer flautista que pode tocar a música de Pixinguinha. Isso é a versatilidade dele. Daí a se dizer que ele foi o máximo, não é assim. Não podemos esquecer de um Porfílio Costa, de um Caximbinho. São tantos que eu ficaria uma noite inteira falando. O gaúcho Rubens Leal Brito, por exemplo, tocava um piano como ninguém. Agora pouca gente o conhece. Ele compôs aquele choro Modulando, que passa por toda a escala musical. Todos os tons que você possa imaginar, a melodia passa por eles sem chocar. De uma maneira brilhante.
fonte: http://www.abraf.art.br/
- foto: acervo Juliao Boemio - Altamiro Carrilho e Juliao Boemio em Curitiba.